Meu pai faleceu quando eu tinha 13 anos, dez dias antes das festas de fim de ano. Foi algo completamente inesperado. Tivemos uma manhã normal, mas quando eu lembro daquele dia, a atmosfera parecia pesada, como se algo estivesse prestes a explodir. E explodiu. Meu pai desmaiou na minha frente. Eu gritei pela minha mãe e acordei minha tia. Liguei para a ambulância. Minha mãe e minha irmã seguiram a ambulância até a cidade vizinha, e eu fiquei na casa de uma conhecida. As horas em que passei lá foram a experiência mais palpável de solidão e abandono em toda a minha vida. À noite, minha mãe voltou para me buscar. Eu já sabia o que tinha acontecido. Ninguém precisou me contar, porque eu senti, eu vi nos olhos da minha mãe o medo da minha reação.
Eu passei doze anos desde a sua morte o odiando. Eu não sei como, mas o meu cérebro conseguiu apagar da minha memória todas as lembranças boas e todos os sentimentos bons a respeito dele. Por todo esse tempo eu o culpei por coisas que minha mãe fez. Embora eu tenha meus motivos para falar que a morte dele trouxe um certo alívio para mim, eu criei uma narrativa onde o coloquei como o vilão da minha história. Ele teve certa responsabilidade na construção de quem eu sou hoje, mas ele não foi o único que deixou marcas significativas.Meu pai era ausente, bebia muito, viveu seus últimos anos brigado com as filhas que teve em seu primeiro casamento. Desconfio que ele tinha depressão. Ele parecia antecipar a sua morte à medida que não tomava os remédios, não cuidava a alimentação, apenas dormia, trabalhava e se entorpecia com álcool e futebol. Aos domingos ele fazia um almoço delicioso. Ele sempre gostou de receber pessoas em casa, sempre cozinhava para elas. Até hoje quando falam dele acabam citando o carreteiro que ele fazia na panela de ferro. Escrever isso me emociona muito, pois é a primeira semelhança positiva que encontro entre nós, a primeira lembrança boa que me une a ele e me faz querer ser chamada de sua filha.
Hoje eu consigo dizer que sinto muita falta dele. Apesar de tudo, ele foi o meu pai. Ele me buscava na escola e fazia sopas muito gostosas no inverno. Lembro que nas noites quentes de verão olhávamos as estrelas sentados na calçada. Foi nesse momento que desenvolvi afeição por satélites e aviões. Essas pequenas coisas me fazem perceber o quanto dele eu carrego em mim, o quanto sempre o carreguei comigo nesses doze anos em que insisti que o odiava.
O luto é algo bem engraçado, pois doze anos depois, em uma terça-feira qualquer do ano de 2025, todo o choro contido e memórias guardadas são liberadas pelos meus olhos.

